– Reze uma ave Maria e lave o rosto com água benta. –Disse o padre
Suspirei e mesmo sabendo que ele não podia me ver por trás da tela divisória que nos separava, assenti. Era uma quinta gelada, não vi nem um rastro do sol desde que saí de casa as seis, marcava pouco mais que oito e meia, eu gostava de me confessar na quinta. Mesmo não tendo muito a confessar gostava de passar um tempo contando meus pensamentos para o padre. De onde eu me sentava eu podia sempre sentir sua colônia fraca porem deleitosa, ao mesmo tempo. Eu podia toda vez imagina-lo com a mesma expressão caridosa e amorosa. O padre era um bom homem, caridoso e bondoso com todos. Gostava de ajudar as pessoas sempre que podia, e isso me puxava para mais perto a igreja, eu me espelhava nele. Era incrível ver um homem com tão pouca idade escolhendo o cominho de Deus, ele nunca me disse quantos anos tinha. Mas eu palpitava que não passava dos 35. Ele sempre me contou que começou muito cedo, e que por Isso pode se tornar padre antes do que se é previsto.
Minha confissão hoje viera com o que aconteceu ontem à noite. Marcava pouco mais que nove da noite, na TV eu e mamãe assistíamos um seriado qualquer, quando ela simplesmente começou a chorar, quanto mais ela tentava controlar, mais ela chorava de soluçar. E eu sabia o motivo, os médicos não conseguiram estabilizar o câncer. Naquele momento eu me questionei, e questionei a Deus, não por mim, mas questionei o porquê dar uma filha com defeito a uma mulher tão bondosa. Pois convenhamos, ter câncer já algo ruim, ter uma filha com leucemia linfoblastica é o dobro do sofrimento.
– Obrigado padre. –Sussurrei
– Vá com Deus minha filha. –Ele murmurou em um tom baixo
– Padre. –O chamei lembrando-me do jantar de natal essa noite.
– Sim. –Ele respondeu
– Poderia atender ao pedido de uma paciente terminal? –Sussurrei, ele poderia não levar em tal humor que eu tentei transmitir com aquela frase.
– Não diga isso, tenho esperança que Deus te curará minha filha.
– Mas você poderia? –Insisti
– Claro.
– Passe o natal conosco. -disparei
– Eu... eu... Não...
– Todos sabemos que o senhor passará sozinho padre.
Ele ficou calado por longos segundos, fiquei instigada a ponto de quase roer as unhas. Poderia ser deprimente, e estranho para qualquer pessoa ter apenas como amigo um padre, mas não para mim, ele sempre tinha os melhores conselhos e reflexões. Os garotos de hoje em dia não eram assim, não tinham tal conteúdo que o padre esbanjava ter. E ele, juntamente a mamãe, impediam que eu caísse de cabeça na depressão que o câncer causa em todo adolescente. Remexi no banco, incomodada com seu silencio e continuei:
– E então?
– Depois da missa esta bem? –Ele diz por fim.
– Sim, é claro. –Me levantei aliviada.
– Eu a irmã Kate iremos fazer uma visita ao hospital da comunidade, levaremos alguns presentes e... –Ele fez uma breve pausa, olhei para divisória esperando ser convidada. – Você quer ir?
– Há! –Sorri me sentando outra vez- É claro que quero padre eu não tenho dinheiro mas vou separar algumas coisas e... –A escuridão simplesmente fez com que em segundos eu falasse vagarosamente como se estivesse sendo sedada por alguma anestesia. Meus olhos se fecharam aos poucos, e eu já não sentia ou via nada.
P.o.v Justin
Ouvi o falatório interminável da jovem Bela cessar de repente, em seguida um breve estrondo de um corpo colidindo ao chão junto ao banco. Engoli em seco e me levantei tentando olhar entre a divisória.
– Bela? Você esta bem? – Indaguei tentando não me assustar com aquilo, mas ela não respondeu. Nada ouvi de sua voz serena e ingênua. Nem um roído ou resmungo de dor. Após alguns segundos, certo de que algo havia acontecido, dei a volta na cabine e corri até ela. Ela havia caído para trás, por pouco parecia que o banco não lhe atingiu, ela estava vestida por um vestido azul claro, pouco abaixo do joelho, sem rastro de um decote, ou qualquer outra coisa que deixasse a mostra seu cateter na clavícula. Abaixei-me até ela e hesitante segurei-a, repousando sua cabeça em meu braço, acariciei sua face na tentativa de acorda-la
– Arabela? –Chamei-a. Mas ela nada me respondeu nos seguintes minutos. Cheguei a murmurar uma prece lenta para que nada de grave tivesse acontecido com ela, e Deus me deu uma resposta quando os olhos de Bela se abriram, quando isso aconteceu, suspirei de alivio.
– Padre. –Ela sussurrou
– Você esta bem?
– Desculpe, eu não consigo controlar os desmaios. – Ela ofereceu-me um sorriso
– É normal?
– Se desmaiar pelo menos uma vez por dia passou a ser normal para humanidade. Sim, é normal padre – Ela sorriu outra vez, sorri realmente aliviado com sua resposta. Ela tomou forças para se sentar ao chão e arrumou os cabelos curtos e rebeldes. Levantei-me e ajudei-a a se levantar. Deus sabia o carinho que eu tinha por essa moça, Deus sabia como eu me preocupava e da melhor forma, a amava. Não era de forma carnal, meu amor por aquela jovem ultrapassava qualquer conceito humano.
– Você se machucou? –Indaguei
– Minha cabeça é dura, padre. Estou acostumada. –Ela sorriu largo, assenti e concertei minha batina.
– Bom padre, eu preciso ir, tenho que ir pra minha aula. –Ela disse
Eu assenti outra vez e agachei-me para pegar o banco que estava no chão.
– Tudo bem querida, pode ir.
– Até mais padre.
E ela se vai, deixando seu cheiro impregnado por cada canto que passa, exalando ingenuidade e doçura. Se ela se perguntava a Deus porque ele presenteara sua mãe com uma filha com “defeito”, eu começava a entender o verdadeiro motivo que Deus pois a igreja em minha vida. E sem duvida era para presenciar a passagem de um anjo como Bela pela terra.
E então gente, o que acharam do primeiro capítulo? Espero mesmo que tenham gostado. Digam o que acharam babes, eu preciso saber se esse tema agrada vocês. Continuo com quatro comentários.
continua flor
ResponderExcluirContinua *-*
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